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'Palavra subsídio ficou pejorativa; quando era para o agro, ninguém reclamava', diz Ricardo Alban

Aracaju/SE, 11 de Maio de 2023

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Ricardo Alban, que assume a confederação em outubro, defende 'neoindustrialização' em vez de reindustrialização

Eleito presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) na quarta-feira (3), Ricardo Alban chegará ao posto com a mensagem de que o discurso em defesa da reindustrialização precisa ser atualizado para a "neoindustrialização".

Alban diz ver janelas de oportunidade em pesquisa, inovação e na abertura de novos mercados pelas mudanças geopolíticas. Também evita a palavra subsídio para tratar de incentivos e financiamentos direcionados.

Em sua primeira entrevista após ser eleito, Alban afirma que o Brasil precisa contemplar as despesas na busca pelo equilíbrio fiscal, em vez de focar o aumento da arrecadação. E o problema dos juros altos, segundo ele, pode ser resolvido com diálogo e ferramentas como depósito compulsório, sem a necessidade de embate político.

Alban também é presidente da Fieb (Federação das Indústrias da Bahia) e sócio da Biscoitos Tupy, fábrica de alimentos de sua família. Ele toma posse em 31 de outubro para suceder Robson Andrade no mandato de quatro anos.

 

O sr. vai chegar à presidência da CNI ainda no primeiro ano do governo Lula 3. O que espera que essa gestão possa fazer pela indústria? 

O simples fato de ele ter recriado o Ministério da Indústria e Comércio já dá expectativas favoráveis. Convidar o vice-presidente para ser o ministro dá ainda mais peso. Geraldo Alckmin demonstra compromisso para fazer um processo de industrialização mais aguerrido e que mitigue hiatos do passado.

Há uma percepção de atualização. O fato de mudarmos de discurso, de reindustrialização para neoindustrialização, nos motiva mais ainda. Ao olhar para a frente, não podemos falar que é simplesmente uma reindustrialização. O Brasil já foi mais industrializado, mas ainda é, com nichos de indústria de ponta.

Mas no todo, temos de repensar onde precisamos recuperar, estimular e até mesmo apoiar necessidades em setores que precisam ter novas vantagens competitivas ou mitigar desvantagens.

 

Olhando para trás, nas outras gestões petistas, especialmente a experiência do governo Dilma, é preciso ter cuidados? 

Sendo técnicos e pragmáticos, no Brasil, desde a época dos militares, sem fazer nenhuma apologia à ditadura, nós não temos uma política industrial planejada e executada. Nós tivemos uma política industrial naquele momento, que coincidiu com a ascensão dos militares, quer seja através das brás (Siderbras, Eletrobras). De lá para cá, não nos debruçamos sobre esse planejamento.

E política industrial, como política de infraestrutura ou de Estado, nunca é de curto prazo. Tivemos muita política de governo. Precisamos criar consciência de que é preciso ter políticas de Estado.

 

E os juros? O empresariado deve apoiar o governo Lula nas críticas feitas ao Banco Central? É fácil encontrar teorias econômicas para justificar políticas monetárias A, B, C ou D. Mas algo em que todos concordamos, mesmo o presidente do Banco Central, é que os juros reais que se praticam no Brasil são insustentáveis. É consenso. Mas qual é a forma de resolver?

É óbvio que eu não concordo com os juros atuais do Brasil, mas eu também entendo que precisamos achar a forma adequada de discutir esse assunto e fazer um movimento uníssono e seguro.

Não é transformar isso em embate e bandeira política. Por que não sentamos com todos os setores da economia e fazemos uma discussão técnica e séria para que não se tome nenhuma conotação política e ideológica, para que todos se sintam confortáveis? Hoje, o conceito de segurar os juros é uma preocupação com a inércia da inflação. Seguramente, não existe pressão de demanda para justificar essa política monetária.

No Brasil, nós temos uma série de ferramentas, como depósito compulsório, que podem ser usadas em conjunto, mas precisa de um ambiente de confiabilidade.

 

E os subsídios? O sr. vai defender incentivo fiscal para estimular investimento no Norte e no Nordeste, que é a sua região?

A palavra subsídio ficou muito pejorativa. Ninguém reclamava de subsídio na época que deu grande impulso no agro, e hoje temos grande admiração pelo agro. Nenhum setor na história do Brasil foi mais subsidiado do que o agronegócio no início da sua pujança. Isso fez mal ou bem? Mas eu não quero usar a palavra subsídio. Incentivos, financiamentos mais direcionados.

Então, vamos para a parte do incentivo regional, que tanto se fala em Sudene, Sudam, Zona Franca. Nós vivemos em um país desigual, com hiatos significativos. E eu não conheço nenhuma forma de tratar desiguais, a não ser de forma desigual, para mitigar essa desigualdade.

No caso da Zona Franca, ela gera, segundo estatísticas, um incentivo e uma [renúncia], que hoje é considerada a maior dos setores regionais. Mas qual é hoje a lógica de sustentabilidade econômica e social daquela região? Estamos criando outras alternativas de desenvolvimento econômico?

Não podemos achar que vamos tirar, ou vamos combater, um incentivo que é dado a uma região para dar um novo viés econômico e social de crescimento sem ter uma alternativa.

Tem que existir planejamento e racionalidade e não apenas bravatas. E já que estamos falando da dificuldade de reduzir o custo Brasil e o custo da máquina pública, do outro lado da equação que são as despesas, não podemos só olhar como arrecadar mais. Distorções existem e podemos buscar correções. O equilíbrio fiscal tem de ser buscado nos dois lados da equação.

O que nós precisamos agora, nessa neoindustrialização de que estamos falando, é identificar as janelas de oportunidades. O Brasil tem feito pouca inovação, tecnologia e pesquisa e desenvolvimento.

 

Para isso andar precisa de medidas para impulsionar o crédito? Qual deve ser o papel do BNDES? 

O BNDES tem se movimentado, tenho certeza de que aprenderam com alguns equívocos do passado, mas nem 8 nem 80. Ele é um ator para estimular e impulsionar o desenvolvimento econômico e social. Não é um simples banco para dar lucro e resultado para acionista. Não é um banco para dar prejuízo, nem fazer benevolência, mas é um banco para interagir com políticas públicas de desenvolvimento econômico e social. Estão sendo estudadas várias linhas, inclusive nas áreas de inovação e tecnologia. Precisamos criar também outras áreas voltadas para economia circular, que é também uma janela de oportunidade. Tem áreas estratégicas como saúde e fertilizantes. Passa pelo gás natural e a nossa mineração. Temos janela para reduzir o custo de energia, com eólica e fotovoltaica. É fundamental para a estrutura de custo do país.

Vamos olhar como as coisas podem ser feitas sem afetar a arrecadação. Não há nada melhor para encontrar o equilíbrio fiscal do que o crescimento da economia.

 

O sr. acredita que sai reforma tributária neste ano? 

Ainda estamos com um governo em formação de base política. Temos a necessidade mais premente que é o arcabouço fiscal. Há uma sensibilização do Congresso de que isso precisa ser resolvido. É difícil prever que tipo de desgaste político e de necessidades de base parlamentar vão ser necessários para que esse arcabouço chegue a uma conclusão, quais vão ser as alterações e o formato final. Que custo político isso pode ter? Isso poderá representar uma maior ou menor dificuldade para a discussão da reforma tributária. A meu ver, ela já não enfrenta grandes embates nas discussões federativas, mas ainda um pouco na discussão dos setores da economia.

 

E o Conselhão? Pequenos negócios se sentiram pouco representados. O que o sr. achou? 

O Conselhão é um conceito de compartilhar governança. Acho difícil encontrar convergências em um público tão grande. Como vai ser a gestão e como vai se filtrar tanta diversidade de pessoas e conceitos dentro de um conselho para que ele se transforme em ações efetivas, esse vai ser um desafio para a governança. Achar setores que se sentiram pouco prestigiados, infelizmente, acontece. Não tem como agradar a todos. Vamos ver a gestão.

 

RAIO-X | RICARDO ALBAN, 63

Eleito presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) na última quarta-feira (3), Alban é presidente da Fieb (Federação das Indústrias do Estado da Bahia) desde 2014 e presidente do Cieb (Centro das Indústrias do Estado da Bahia) desde 2018. Também é vice-presidente da CNI para o mandato de 2018 a 2023, entre outras representações empresariais. Formado em engenharia mecânica pela Universidade Federal da Bahia e administração de empresas pela Escola de Administração de Empresas da Bahia, ele trabalhou no Citibank no início dos anos 1980 e, desde 1987, é sócio-diretor da fábrica de alimentos de sua família, Biscoitos Tupy.

 

Fonte: Folha de São Paulo 

 
 
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